10 fevereiro 2008

Pichacao e magia


Numa recente passagem por São Paulo reparei como as letras das pichações nesta cidade estão assumindo formas cada vez mais peculiares: verticais, estreitas e angulosas. O desenvolvimento de um estilo característico na capital paulista torna-se significativo se pensamos que outras cidades desenvolveram tipologias diferentes como, por exemplo, o 'carioquinha', caracterizado por letras arredondadas e emboladas.

Além disto, recentemente, as pichações passaram a incorporar formas próprias de outros meios como as terminações em forma de setas típicas do graffiti (principalmente wild style), cifrões e outros símbolos (vale lembrar aqui que o fenómeno da pichação e sua distinção do graffiti é característica do Brasil e não existe em outros países). A agregação de formas à assinatura do pichador parece indicar a intenção de condensar graficamente informações e representa uma novidade respeito as já características siglas que indicam a filiação a uma ou outra galera ou torcida organizada.

No 'Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos' sugiro que o complexo de elementos presente nas pichações manifesta um processo de construção da identidade por parte do adolescênte. Com esta prática o jovem tenta compensar a carência no mundo ocidental de experiências que extrapolem seu cotidiano e promova seu crescimento e inserção no mundo dos adultos. como no caso das iniciações promovidas em outras culturas através dos ritos de passagem. Neste contexto a repetição do próprio nome ou apelido na parede teria uma função mágica: evocar a presença do autor. A própria palavra 'presa', gíria empregada para indicar a marca do pichador, é a abreviação de 'presença',

O aspecto mágico da pichação foi considerado por Célia Maria Antonacci Ramos em 'Graffiti, pichação & Cia.' (São Paulo. AnnaBlume, 1994): 'Escrever o próprio nome tem (...) uma dimensão mágica que tira o indivíduo do anonimato, assinala sua presença e a consequente posse do objeto'.
Esta consideração foi feita pela autora a partir de uma citação do 'Dicionário dos Símbolos' de Chevalier e Gheerbrant (Rio de Janeiro. José Olympio, 1990) que se coloca assim a respeito da invocação do nome: 'Há como uma presença real no nome invocado', e, mais adiante: 'Nome e forma são a essência e a substância da manifestação individual'.

As formas peculiares das letras paulistas, em particular, tem me chamado a atenção por sua semelhança com sigilos e assinaturas de angelos e demónios típicas da cabala e dos pentagramas mágicos, nos quais as letras assumem formas complexas para esconder nomes que não podem ser pronunciados pelos não iniciados. As letras adquirem então um caráter simbólico, agregam e condensam significados que desafiam nossa percepção.

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