14 dezembro 2011

Arrigo Barnabé: um réptil pensador

Entrevista de 1998, para graffiti 4.
Fomos à casa de Arrigo, em Itaim-Bi-Bi saber o que ele anda fazendo ultimamente. Mais conhecido por fazer parte da Vanguarda Paulista do começo dos anos 80, o trabalho de Arrigo está à parte do grande público. O músico se mantém firme e fiel aos seus princípios. Compõe atualmente mais voltado para a música escrita, preocupado com seus problemas internos. Sua história ilustra bem o que enfrenta um compositor de qualidade que não rende às facilidades do mercado.

A nossa geração pegou um rescaldo marxista da história que não existia antigamente, aquela coisa do povo. A gente pegou isso no começo da nossa carreira, uma preocupação. Começamos na época da ditadura. Depois de dois anos e meio que eu tinha lançado o “Clara Crocodilo”, a Poligram, que chamava Ariola, comprou o disco e me contratou para fazer mais dois discos. Fiz o “Tubarões Voadores” e eles investiram, dispensaram uma grana pra produzir o disco. Mas ao mesmo tempo, estavam lançando Simone. Eles pensam como um produto. Agora, foi impressionante eu ter ido para a Poligram, ter sido contratado. O “Tubarões Voadores” é um disco caro, saiu com encarte de história em quadrinho dentro. Daí pra frente a coisa não pegou mesmo, ficou difícil e eu já tava de saco cheio porque eu não ganhava dinheiro. Aí fiz o “Cidade Oculta. E o “Cidade Oculta” tinha "Pô, Amar É Importante" que fez muito sucesso na época e era um disco já voltado para o mercado. E depois eu fiz o "Suspeito", que já era um disco de mercado mesmo. Eu gosto do disco, a única coisa que acho ruim é que eu canto mal, mas o disco eu acho legal. Se tivesse um bom cantor, ia ser um disco de mercado normal.
O público que eu tinha era mais ligado a música popular, que não tinha acesso a esse tipo de coisa. Mas que de repente via e achava um barato, eu gostava. Os caras curtiam, iam ao show, nunca tinham ouvido e: Pô. é legal! Mas era uma coisa pequena no sentido de que quem ia ao show, eram pessoas que não tinham dinheiro para pagar um ingresso caro, a maior parte era estudante, mas pegou bastante gente. Não era para você ir a casa nobre, era sempre um teatro popular. Mas, puxa!!! Para o tipo de música que era feito era surpreendente. Era impressionante como as pessoas curtiam um negócio completamente maluco. Agora, as críticas, talvez
o pessoal achasse que não dava para cantar as melodias. Cadê a melodia??? Mas não se sustentavam. Mas a crítica maior era a que dizia que eu imitava o Frank Zappa. A diferença é o seguinte: ele pensa a música, a composição dele muito ligado ao rock. Já eu, penso de uma forma mais contrapontística, de contraponto.
A mistura de erudito e popular apareceu no tropicalismo. Rogério Duprat principalmente, ele iniciou uma espécie de fusão entre a música erudita, moderna e contemporânea e a música popular urbana. E eu me insiro dentro desse negócio aí, que tá ligado diretamente com o Rogério Duprat. Hoje em dia, tenho mais clareza para perceber que eu estava fazendo era um trabalho muito mais erudito que popular. Muito mais, vamos dizer, é um trabalho erudito com um grau de comunicação maior. Erudito eu digo só para situar o tipo de música. Tem um grau de comunicação grande por causa das letras, da temática, meio história em quadrinho, personagens e tal. Tem tantas formas musicais e a canção é uma delas, enquanto que na música popular, só existe a canção. Mas a canção na história da música é um negócio pequeno. A letra, o texto tem o poder de comunicação fácil, rápida. Os eruditos, a maior parte não faz canção, faz música instrumental. Então como as pessoas vão ter acesso a isso? Não tem o texto para carregar.

Eu gosto muito da década de 30 e 40, esse período da música brasileira, porque a mpb apareceu depois, na década de 60, essa sigla aí, antigamente não era isso. Eu gosto muito desse período e conheço mais ou menos bem os compositores dessa época, os cantores. Acho um período muito rico, um momento que só foi ser encontrado depois, na bossa nova. Pessoas que faziam música muito bem, trabalhavam melódica e harmonicamente. As letras também são muito legais e a música na época era mais ligada imediatamente às pessoas. Hoje em dia é um negócio imposto.

Lancei agora (agosto) o "Gigante Negão” pelo Núcleo Contemporâneo. É uma ópera, uma pseudo-ópera que eu fiz em 1990, que estava abandonada. Tem uma narrativa, é um negócio meio ligado com mitologia. Começo com a história da queda de Lúcifer, a volta de Lúcifer ao paraíso, passo pela coisa do ferreiro, que é a primeira pessoa a transformar a matéria, o precursor dos alquimistas e cientistas. Tem uma historiazinha interessante, que é a rebelião do arcanjo Miguel. Depois de Lúcifer, o arcanjo Miguel resolve se rebelar e resolve interferir na criação achando que o homem é mais apto a criar um Messias, porque o Messias que Deus mandou não adiantou nada e as coisas estão tudo piorando. Então ele inspira um cientista brasileiro para que ele crie um novo Messias, que seria um clone do Gigante Negão. E isso foi em 90, antes de surgir a coisa do clone e tal. Isso tudo com a linguagem um pouco do James Joyce, de “Finnegans Wake”, de “Ulisses”.

"A pseudo-ópera Gigante Negão foi apresentada apenas três vezes em setembro de 90 no Palace, São Paulo. Até novembro de 97 eu não sabia da existência de uma gravação deste trabalho. Na época uma série de infelizes circunstâncias, incluindo minha terrível auto-crítica, fizeram com que considerasse esse material descartável. Esse rabalho foi abandonado por oito anos. Em novembro de 97, Marcelo Salvador operou o som em um show que fiz no Parque da Aclimação. Eu me lembrava de conhecê-lo mas não sabia de onde. Ele contou-me que junto com o Nica, havia operado o som nas três únicas apresentações do Gigante Negão e que havia feito um registro em cassete na segunda noite. Disse ele que apesar de ser em cassete, a gravação estava muito boa". Eu fui ouvir e estava boa pra xuxu, impressionante, inacreditável. E há músicas maravilhosas que eu não me lembrava. Eu não tinha fita, não tinha nada. Não sei nem onde que estão as partituras disso. Eu perdi uma grana pra fazer esse negócio e fiquei traumatizado.

Fazer música para filme, a princípio, é muito atraente, mas depois de um certo momento, quando você vira um profissional do negócio, você já não curte tanto porque você está sempre dependendo do diretor. É raro um diretor chegar e falar: “faz o que você quiser”. Você tem que tá entendendo o diretor. Tira um pouco o prazer de fazer a coisa, mas é uma coisa de desafio. Você tem que aprender a fazer como a pessoa quer. Mas o pessoal de cinema me procurava para trabalhar com eles porque minha música é muito catártica. Aquelas coisas meio obsessivas, repetidas, mas estranhas, é um negócio que o cinema precisa muito, essa coisa de catarse, então o pessoal ficava meio alucinado com isso. E as letras não eram poemas, não eram letras falando de amor, eram narrativas, eram pequenas histórias. Tem também essa ligação com a linguagem do cinema e quadrinhos.

O disco “Tubarões Voadores” ia chamar “Crotalus Terríficus”. O Luis Gê estava preparando a capa do disco e eu passei no ateliê dele para ver. Aí tinha acabado de fazer o “Tubarões Voadores”. Quando ele me mostrou a historinha eu disse: “Ah!! Luis Gê, vou musicar essa historinha e o disco vai chamar “Tubarões Voadores!” A gente já tinha comentado várias vezes de fazer uma historinha com música , trilha sonora. Aí fizemos. Eu medi mais ou menos o tempo de leitura de cada quadrinho e musiquei quadrinho por quadrinho.

Fiz agora no Festival de Campos do Jordão uma peça para orquestra, banda de rock, quarteto de cordas, dois pianos e percussão. É uma peça de fusão, que mistura todas as coisas. Estou fazendo agora uma peça para violão solo, fiz uma peça para vibrafone. Tem várias coisas e eu quero compor assim para esse lado. Eu vou regravar o “Clara Crocodilo”, com uma formação instrumental mais adequada. Naquela época era mais ou menos o que tinha. Tinha era aquilo, então faziam aquilo. Eu sempre quis utilizar metais mais pesados. Agora tem a possibilidade de gravar de um jeito mais.... Meu trabalho tem a parte rítmica, tem a ver com o rock, com a música urbana, com jazz, com samba, com baião, com a música indiana, todas essas coisas de música...
Eu quero é conseguir compor bem, fazer meu trabalho bem feito. Resolver meus problemas técnicos e estéticos. A minha preocupação maior é um negócio interno meu. O meu trabalho, o meu artesanato, minhas soluções que eu vou dar para os problemas de construção da obra. Eu já tenho um espaço meu e tô trabalhando também em outra área, outro âmbito. Não é pra muita audiência mesmo essas coisas que eu tenho feito ultimamente. São muito especializadas. Eu estou mais interessado na música mais escrita, no pensamento musical. Tô nessa onda agora.

Os discos estão na Polygram, três deles tão na Polygram, um tá na Continental e o que tá no Camerati foi o que saiu em CD que é o “Façanhas”. A Polygram ficou de lançar em CD, mas não lançou nada. O que é uma besteira deles porque eles podiam ganhar dinheiro. Ele disse que não ia vender, pombas. Mas os discos venderam. “Tubarão” vendeu 15 mil. O “Clara” vendeu 30 mil. Quem tem em vinil vai comprar em CD. Acho que é desorganização deles porque é dinheiro que vai entrar pra eles. Não vai ter custo de nada e entra dinheiro. Só mandar prensar. Sai a R$ 1,60. É horroroso.

Eu não sou Música Popular Brasileira. Agora o Itamar é. E o Itamar é um cara que eu não entendo como ele não estourou. O Itamar é uma espécie de Jorge Ben novo, atualizado. Ele é um cara que tem uma coisa popular e uma lucidez grande. Ele tem uma inteligência que ilumina. O Itamar diz que acha que vai estourar na voz de outras pessoas, das cantoras aí, da Cássia Eller, da Zélia Duncan, mas ele tem tudo pra estourar sozinho. Ele é ótimo cantor. Eu gosto dessas meninas e tudo, mas acho que o Itamar tem mais presença no palco que elas, ele impressiona.

Nenhum comentário: